terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Inacabado

Nunca estamos de frente. Na paisagem do reflexo dos teus olhos não tem nem um vestígio de mim, mas você consegue me ver pelo canto do seu campo de visão: estou bem ao lado teu. Eles, os olhos, são pontudos e estão sempre abertos. Apontam para frente e, quando fecham, apontam para dentro. Se reviram nos momentos de prazer, sejam eles sexuais ou não, e em qualquer tipo de relação onde a água já esteja na altura dos joelhos.                                                                           Desejam ser convidados. Confiam no presente e mesmo quando as coisas não se desenrolam da maneira como esperavam, não arrancam pedaço algum de alguém, nem quando desafiados, pois acreditam demais em si mesmos para se destituírem do amor.                     Antes da boca dizer que sim ou que não, piscam por um instante; os olhos se fecham por milésimos de um segundo acompanhando uma inspiração: o fôlego.    Cada fechar de olhos acontece em momentos onde o ar fresco de um respiro é necessário para conter os ciclones tropicais do coração. E qualquer toque das nossas peles já é uma ventania quente.   Os olhos falam. E não se ouve som algum da boca quando dizem qualquer coisa. Creem sem precisar ver. Veem sem precisar olhar. Quando decidem, se entregam; acolhem quando querem ser acolhidos; me maltratam quando me pedem pra ficar.                                                                          Todas as vezes em que a minha música tocou, fui fitada por segundos que me permitiram saber o que fazer: eram teus olhos me guiando. No nosso caso, a dança tem o poder de conduzir a música tanto quanto o contrário. Tocamos um ritmo que seria somente nosso: de acordo com a rítmica dos teus pés e de acordo com a minha criatividade. Teus olhos me ouviam, meus ouvidos te viam.     Não temos nada gravado, ninguém registra a cena. Só a gente soube o que aconteceu, porque roteiro também não teve. Foi improvisação de contato pelo ver.           No fim de cada show, recebíamos tomates até no camarim, e apesar de tudo, nunca deixamos de acreditar na grandeza do nosso espetáculo.                                                                 Em todas as despedidas se repetia a sensação de que havia mais para realizarmos. Mas você sabe, não precisamos que as grandes cortinas vermelhas se abram e que todo um público nos assista, nossos encontros não necessitam de toque e a nossa performance acontece até na rua. A sensação contínua de que tem algo inacabado é só a prova de que a música ainda não parou, a dança não cansou e que os olhos apenas se fecharam para dormir.

O3 de Janeiro de 2O17

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Bandeirinha

 Amada Bandeirinha,

             Hoje me parece um dia especial para escrever à você. Sinto muito não poder estar com você como tanto gostaria, mas tentarei lhe fazer sorrir da maneira que melhor me couber.
          Posso ser sincero? Desde que você se foi de mim, sinto que o tempo quer te alcançar, mas não alcança e eu fico aqui, com a inútil intenção de ser feliz. Lembro-me de tantas coisas, são tantas lembranças enclausuradas como pérolas em ostras no fundo do oceano. Oceano de beijos seus. Não tínhamos rosto, Bandeirinha. Não tínhamos ordem, muito menos direção. Você dançava pra lá e pra cá como bem queria, quem mandava no vento era você, mandava nos olhares dos que nos viam, mandava até em mim, que era teu suporte. Você não imagina o quanto fico feliz ao imaginar todas as direções que você pode estar voando nesse momento, poderia até pegar carona com alguma daquelas máquinas voadoras que nunca lembro o nome. Mas lembro-me muito bem dessa sua liberdade toda, muito marcante, afinal. Tudo era muito marcante em você, seu toque macio, seus lábios escorregando entre minhas têmporas, nosso suor se entrelaçava como uma dança de fios de cabelo. Era tudo tão bom... E ainda é, na minha mente.
Te quero aqui, Bandeirinha. Nem que seja só de passagem, só de visita, poucos minutos. Tudo serve, tudo é válido. Meu desespero em te ter aqui só aumenta, esperar pelo incerto é tão difícil, tão angustiante... Mas sei que valerá cada segundo.

                          Quebro-me. Palavras aveludadas ecoam em meus ouvidos: “cheguei tarde demais”.


                                                       Mastro velho sempre teu.
O6 de Janeiro de 2O12

domingo, 28 de outubro de 2012

Textículo de Verão


      Em minha mente circundam, intrometidas, mil histórias de amor, cada qual com seu e sua protagonista e uma pontada de romantismo que além de servir como tempero e jogo de marketing, traz velhas lembranças às vovós fazedoras de crochê. Vovós que acima de todas as crises de Alzheimer, conseguem reviver dentro de si os amores que a modernidade tanto tenta copiar: as percas das guerras, as dificuldades dos sobrenomes rivais, as dimensões do campo e da cidade, o absurdo da diferença de classes e cores, e tantos outros enredos que vemos na sessão “romance” e “comédia romântica” das locadoras.
        Hoje, cada ruga marcada pelo tempo, é em seus rostos, uma prova viva de uma história de amor vista, degustada, tocada e, no geral, sentida. Quem dera nós, pequenos cientistas do futuro, ter vivido apenas uma das histórias de amor sentida por essas idosas muitas vezes ranzinzas e outras vezes dóceis. Não me refiro ao sonho de ter aquele homem de sorriso angelical, olhos encantadores, voz suave e um cabelo incrivelmente cheiroso que faz tremer nossas pernas apenas com sua presença a meio metro de nossos corações. Me refiro ao sonho de ter alguém, que com seu particular encanto, ri de você com um pedaço de alface preso nos dentes, alguém que reclama do seu jeito de apertar o creme dental, alguém que com você disputa o controle remoto, alguém que diz que seu gosto musical é assustador, alguém que ache que dadaísmo não é arte, mas alguém que acima de todas as brincadeiras que machucam, todas as vergonhas que te faz passar, todos os xingamentos e palavrões inventados, tem o dom de te respeitar, de te acolher e de ser o único a quem você pode chamar de “meu amigo, meu amor”.
É com orgulho e com uma boa refeição de ego que posso dizer que vivo uma antiga história de amor nos tempos modernos. É com o mais espontâneo dos sorrisos que grito aos quatro ventos o quanto, ao fechar os olhos e mergulhar nas lembranças, minha vida parece um filme ganhador de Óscar por ter alguém que me faz sentir todas as mais variadas histórias de amor em apenas um segundo.
        O título ainda não foi definido, mas os atores doam diariamente suas vidas por essa obra, já sabendo que no final, diante de tantas plásticas faciais, seremos eu e ela as únicas com penetrantes rugas no rosto, sentadas em uma cadeira de balanço fazendo crochê.  

28 de Outubro de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

Marinheiro

     Observo o crepúsculo esperando uma Lua que não há de vir, mas é apenas por ora. A Crescente se iniciará e nossa arte dançará iluminando cada vez mais as estrelas e entoando a orquestra de um mantra apaixonado. O horizonte intriga a forma do tão disforme planeta. Balançando, balançando. Piso na madeira que geme como um cão velho. Gostaria de cantar, abrir a boca e soltar um grito que percorreria todos os 7 mares em uma vibração única que faria com que todas as criaturas oceânicas saltassem para a superfície em um voo calculado em direção à quase-Lua. Balançando, balançando. E vou, vou entoar os mais belos cânticos ao mar para quem sabe pelas ondas te encontrar. Fecho os olhos e lembro-me da falsa lembrança que tenho de seus cabelos molhados escorrendo pelas tuas costas esculturais de pele macia, tão macia. A água [balançando, balançando] caminhando suavemente por teu rosto enquanto luta contra a gravidade desenhando seus lábios grossos, mais macios ainda. Beije o mar, para se encontrar em mim. Mas se não encontrar, vou deixar uma bandeira a deriva, encontre-a e a brisa me levará de volta para você. 

24.04.12 e 07.05.12

Tempo Meu


Preciso fechar os olhos
Necessito encontrar a definição exata desse eu que não sou
Careço de informações absolutas de mim
Preciso de teus lábios carmim

Necessito, talvez, de bocas disformes
Careço, quem sabe, de salivas quentes
Preciso, talvez, naufragar em teu fogo
Necessito, quem sabe, entrar no seu jogo

Careço sem o porém do após
Preciso da insensatez dos nós
Necessito da mutabilidade dos três
Careço de seu sorriso cortês

Preciso agora do depois
Necessito sem hora de nós dois
Careço daquele incrível clichê
[onde]
Preciso da imprecisa você

06.05.2012

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Fevereiro

Em lua cheia, o mês de ar se revela
Brinca com nossas sensações
Dança contíguo à ironia

Sento-me em frente à janela
Observo ilustrações
Suavemente pervertidas, sem euforia

                                                      Vejo.
                                                                                           Sinto.
                                                                          Beijo.
                                            Nela.
                                                             Perco.
                                                                                                                  Acho.
                                                                                    Seja.
                                                               Ela.

Abraço tua cintura
Entrelaço minhas mãos, cada uma se coadjuva
Estamos [rodeadas] em apogeus

O tempo e sua loucura
Fazendo com que mesmo em dias de chuva
Meu refúgio seja céu dos olhos teus.

13 fev. 2012

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Enfin l'obscène

      É Lua Cheia.
     Surgem peripécias inconstantes mais uma vez. Te despiria com meus olhos férteis mas... hoje não. Pelo menos não apenas com meus olhos. Levei-a para um quarto em algum hotel barato, fechei as portas intocáveis e observei meu reflexo embaçado no espelho acima da estante velha. Decidi sentir. Decidi fazer tudo o que evitava pensar, tudo o que se evita falar, fazer.
     Senti por trás seus braços me levarem até você, suavemente, como uma dança de orvalhos sobre uma folha na madrugada de uma quinta-feira. Dessa quinta-feira. Hoje. Não sinto o tempo passar, não sinto meu corpo, apenas a sinto. Teu cheiro inundando meu espírito imundo de displicências e pudores estúpidos que se esvaíram com uma só inspiração de seu suor terno.
     Minha mão esquerda gélida pelo frio ambiente navega por seus cabelos morenos que cascateiam entre meus dedos, a direita explora suas roupas que por ora parecem tão desnecessárias.
     Faço-a sorrir entre nossos beijos agora não tão suficientes para saciar aquela minha sôfrega fome de você. Dispo-a lentamente como quem desabotoa suas fantasias, suas dores e história. Minha boca percorre cada centímetro de sua epiderme quente, descendo como uma asa delta em um voo sublime.
     Senti teu sexo em minha boca pela primeira vez. Uma poderosa sensação de libertação de meus medos, anseios e inseguranças invadiu meu corpo e meus lábios ali fervorosos. Poucos minutos foram suficientes para uma extrema e quase completa exploração de nossas tintas. Teu final líquido enigmático me exacerbou as sensações. Enalteci seus músculos e ego com palavras e toques, que não durariam por muito tempo dentro daquelas paredes sujas de banalidade.
     Já disse Chico: “Teus seios inda estão nas minhas mãos”, e quem sabe ainda em meus mais profundos pensamentos...

08 dez. 2011