Nunca estamos de frente. Na paisagem do reflexo dos teus olhos não tem nem um vestígio de mim, mas você consegue me ver pelo canto do seu campo de visão: estou bem ao lado teu. Eles, os olhos, são pontudos e estão sempre abertos. Apontam para frente e, quando fecham, apontam para dentro. Se reviram nos momentos de prazer, sejam eles sexuais ou não, e em qualquer tipo de relação onde a água já esteja na altura dos joelhos. Desejam ser convidados. Confiam no presente e mesmo quando as coisas não se desenrolam da maneira como esperavam, não arrancam pedaço algum de alguém, nem quando desafiados, pois acreditam demais em si mesmos para se destituírem do amor. Antes da boca dizer que sim ou que não, piscam por um instante; os olhos se fecham por milésimos de um segundo acompanhando uma inspiração: o fôlego. Cada fechar de olhos acontece em momentos onde o ar fresco de um respiro é necessário para conter os ciclones tropicais do coração. E qualquer toque das nossas peles já é uma ventania quente. Os olhos falam. E não se ouve som algum da boca quando dizem qualquer coisa. Creem sem precisar ver. Veem sem precisar olhar. Quando decidem, se entregam; acolhem quando querem ser acolhidos; me maltratam quando me pedem pra ficar. Todas as vezes em que a minha música tocou, fui fitada por segundos que me permitiram saber o que fazer: eram teus olhos me guiando. No nosso caso, a dança tem o poder de conduzir a música tanto quanto o contrário. Tocamos um ritmo que seria somente nosso: de acordo com a rítmica dos teus pés e de acordo com a minha criatividade. Teus olhos me ouviam, meus ouvidos te viam. Não temos nada gravado, ninguém registra a cena. Só a gente soube o que aconteceu, porque roteiro também não teve. Foi improvisação de contato pelo ver. No fim de cada show, recebíamos tomates até no camarim, e apesar de tudo, nunca deixamos de acreditar na grandeza do nosso espetáculo. Em todas as despedidas se repetia a sensação de que havia mais para realizarmos. Mas você sabe, não precisamos que as grandes cortinas vermelhas se abram e que todo um público nos assista, nossos encontros não necessitam de toque e a nossa performance acontece até na rua. A sensação contínua de que tem algo inacabado é só a prova de que a música ainda não parou, a dança não cansou e que os olhos apenas se fecharam para dormir.
O3 de Janeiro de 2O17